Tomás Amaral: Irã e Israel, um confronto final

Tempo de leitura: 15 min
Trump e Netanyahu (à esquerda) juntos na guerra contra o Irã, cujo líder supremo é o aiatolá Ali Khamenei. Em Teerã, a população foi às ruas em defesa do governo iraniano. Fotos: Reprodução

Redação Viomundo

O Viomundo publica hoje o primeiro de uma série de dois artigos de Tomás Amaral sobre o ocontexto geopolítico e as razões históricas do atual conflito entre Israel e Irã.

Tomás é documentarista e analista político.

***

Por Tomás Amaral*, especial para o Viomundo

A guerra quente entre Irã e Israel envolve uma coalização de países dando apoio e suporte a Israel e enreda, automaticamente, os aliados geopolíticos do Irã ao seu lado no conflito.

Líderes da França, Inglaterra, Alemanha e a União Europeia manifestaram apoio a Israel, convertendo o seu gratuito ataque terrorista em “direito de se defender”, na narrativa de seus chefes de estado.

Primeiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o Secretário de Estado, Marco Rubio, negaram o envolvimento e a ciência do ataque.

Depois, em entrevista à imprensa, Trump se desmentiu e disse que soube do ataque com antecedência, confirmando o envolvimento dos Estados Unidos nele.

Além do apoio de Estados Unidos e União Europeia, a Turquia, de Erdogan, Iraque e Síria ocupados forneceram bases para lançamentos de mísseis ao território iraniano.

Dois oficiais estadunidenses disseram à agência Reuters que a administração Trump forneceu dias antes para Israel cerca de 300 mísseis Hellfire usados no ataque ao Irã.

Enquanto preparávamos a publicação do artigo, Trump anunciou três ataques aos projetos nucleares iranianos, oficializando a entrada dos Estados Unidos no conflito, que até então se dava de maneira indireta.

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O governo iraniano informou que já havia transferido as estruturas sensíveis do programa para outros lugares, antevendo o ataque. E que, diferentemente das declarações de Trump, o seu programa nuclear não foi afetado.

Declarou que, a partir deste momento, qualquer militar ou civil estadunidense que entrar em seu território será considerado alvo militar. E tomou a decisão de fechar o estreito de Ormuz. O Irã continuou suas investidas contra Israel, realizando bombardeios no centro de Tel Aviv.

As monarquias do Golfo Pérsico – Qatar, Bahrein e Emirados Árabes – são aliadas históricas dos Estados Unidos e de Israel; participaram e financiaram todas as ofensivas sionistas na região. Do genocídio em Gaza aos ataques no Líbano, do golpe de estado na Síria ao ataque ao Irã.

A surpresa está no apoio declarado ao Irã pelo príncipe saudita, Mohammad bin Salman, que temos que esperar para ver até que ponto a retórica se sustenta em coerência com as ações.

Contra-ataque do Irã, lançando mísseis sobre Tel Aviv, capital de Israel. Imagem: redes sociais

Por outro lado, o Irã, atacado de maneira gratuita, vil e covarde, tem parcerias estratégicas, que abarcam o âmbito militar, com a Rússia e com a China, e recebeu prontamente o apoio do Paquistão e da Coreia do Norte, outras duas potências nucleares. O mundo permanece em suspense observando como seus aliados irão atuar.

Contudo, o conflito entre Irã e Israel tampouco se limita – como se fosse pouco – a um conflito, por enquanto indireto, entre coalisões de potências, a maior parte delas, nucleares.

Trata-se, em última instância, de uma batalha entre o imperialismo e a promessa de um novo mundo multipolar. Ou, poderíamos dizer, uma batalha central que expressa o conflito existencial entre forças antagônicas, tese e antítese, de uma era histórica em declínio.

Razões históricas e escalada do conflito

O que queremos neste artigo é reconstituir as razões históricas e fornecer o quadro geral no qual se insere a escalada do conflito, provocada pelo ataque surpresa de Israel.

O economista estadunidense, Jeffrey Sachs, que trabalhou como conselheiro de política externa no alto escalão das administrações Bush, Clinton, Bush Jr. e Obama, disse em seu discurso histórico no Parlamento Europeu, no início de 2025, que a política externa estadunidense é guiada há três décadas, essencialmente, por Benjamin Netanyahu.

Em nossa série de artigos sobre a derrubada do governo de Assad na Síria, publicada no Viomundo (aqui, aqui e aqui), enfatizamos a importância da estratégia sionista na política externa dos Estados Unidos, expressa no documento A clean Break: New Strategy For Secure The Realm, que, em 1996, Netanyahu encomendou à facção dos neoconservadores.

O documento prevê a derrubada de Saddam Hussein no Iraque, de Assad, na Síria, a contenção da resistência palestina em Gaza e West Bank e do Hezbollah, no Líbano.

No documento, os estrategistas neoconservadores argumentam que a derrubada de Saddam, no Iraque, e Assad, na Síria, isolaria e enfraqueceria o Irã, abrindo caminho para uma possível troca de regime.

Em 2007, o General quatro estrelas estadunidense, Wesley Clark, revelou que a estratégia neocon informada a ele, em 2003, no governo Bush, era derrubar os governos de sete países muçulmanos em cinco anos: Iraque, Líbia, Líbano, Síria, Somália, Sudão e Irã.

Ainda que o cronograma tenha sido atrasado pela resistência dos países alvos, vemos que, 18 anos, a estratégia continua em curso.

Nenhum dos conflitos em curso na atualidade – e podemos citar a guerra contra a Rússia, na Ucrânia, o conflito Índia-Paquistão, o genocídio em Gaza e West Bank e a guerra de Israel contra o Irã – se dá de maneira casual. Todos são frutos de estratégias imperialistas de longa data.

Mais uma vez, recorremos a Jeffrey Sachs, que, em maio de 2025, disse em uma palestra na Ilha de Chipre que todos os problemas atuais do mundo remontam ao Império Britânico.

Por que a Europa acompanha os Estados Unidos em suas guerras e políticas imperiais?

Por que marcham juntos em direção a uma guerra total contra a Rússia?

Por que apoiam Israel na guerra contra o Irã?

Para respondermos essas questões é necessário voltarmos no tempo e resgatarmos a estratégia e a atuação do Império Britânico.

Dois tipos de imperialismo

Há o imperialismo antigo e o moderno. O primeiro se constituía quando um povo prevalecia sobre os outros, nas guerras tribais, e consolidava um exército hegemônico e um poder centralizado. Na Antiguidade, os impérios se sustentavam pela cobrança de impostos e trabalho escravo.

Entre o declínio do Império Romano, no século 5, e a expansão marítima, no século 15, a Europa viveu o período medieval com reinos autóctones e autossuficientes, cuja fonte de riqueza advinha predominantemente do trabalho servil na agricultura.

A expansão marítima começa a tramar uma economia globalizada, instaurando a lógica colonial na América e em algumas regiões da África – foram os portugueses, ainda no século 15, que colonizaram os primeiros territórios africanos –, para depois alcançar o continente asiático.

No período mercantilista, entre o declínio da Idade Média e a Primeira Revolução Industrial, dois grandes impérios se estabeleceram no continente europeu: o espanhol e o português.

A Inglaterra se colocou como um terceiro império em ordem de importância, na virada para o século 17.

O neocolonialismo no mundo começa a se estabelecer de fato nas últimas décadas do século 19, com França e Inglaterra fazendo as primeiras partilhas de territórios clientes no Oriente Médio e norte da África; e tem o seu auge a partir do século 20, com as potências da Europa Ocidental exercendo o seu domínio político e econômico sobre África, Ásia e América Latina.

Os impérios mercantilistas, diferentemente dos da Antiguidade que anexavam territórios contíguos, cruzaram o Oceano Atlântico, com uma nova tecnologia de navegação, para colonizar um continente inteiro e sustentar as suas economias com o abastecimento de bens de consumo e commodities, como madeira, cana de açúcar, ouro e prata.

O grande fluxo de commodities vindo da América, e a acumulação de capital resultante deste, fez com que as incipientes indústrias mercantilistas europeias se expandissem, conduzindo à Primeira Revolução Industrial, a partir da década de 1760, na Inglaterra.

A transição do mercantilismo para o capitalismo, com o advento da Revolução Industrial, fará com que o colonialismo dê lugar ao neocolonialismo, no século seguinte.

Basicamente, a escala industrial fez as potências europeias necessitarem de uma quantidade de commodities exponencialmente maior para abastecer suas indústrias, inaugurando uma nova forma de colonialismo.

O neocolonialismo no mundo começa a se estabelecer de fato nas últimas décadas do século 19, com França e Inglaterra fazendo as primeiras partilhas de territórios clientes no Oriente Médio e norte da África; e tem o seu auge a partir do século 20, com as potências da Europa Ocidental exercendo o seu domínio político e econômico, com salvaguarda militar, sobre África, Ásia e América Latina.

O imperialismo moderno

Marx analisa que a livre concorrência da sociedade capitalista conduz a monopólios, com a concentração da riqueza nas mãos de poucos.

Neste processo, ao expandir o seu poder econômico, a burguesia expande também o seu poder político, capturando o estado para seus interesses particulares, em um estágio que Marx denomina como “capitalismo monopolista de Estado”.

Se o motor da sociedade capitalista é a mais-valia, para uma grande indústria se expandir, perseguindo o lucro, ela precisará abastecer o seu aumento de produção com um aumento de fornecimento de matérias-primas.

Pelo fato de a disponibilidade de matérias-primas ser limitada em cada território, uma indústria em expansão necessitará da ampliação do fornecimento de matérias-primas, buscando novas fontes em novos territórios.

Tal lógica leva as burguesias monopolistas a empurrarem os seus estados nacionais para uma corrida neocolonial, inaugurando o imperialismo moderno como um estágio superior do capitalismo, conforme a análise econômica de Lenin.

O Império Britânico

Mapa de 1886  ilustra o domínio territorial e marítimo do Império Britânico. Imagem: Wikimedia Commons

Em 1600, a Inglaterra funda a Companhia das Índias Orientais e dá início a um longo processo de colonização da Índia, com diferentes estágios, que perdura até sua independência em 1947.

Ao mesmo tempo, essa agência de colonização voltada para a Ásia, articula rotas comerciais marítimas sob o domínio inglês, estabelecendo pontos-chave – conquistados ou negociados – para erigir fortificações, estacionar frotas navais de segurança ou obter a proteção de exércitos locais para as embarcações inglesas.

A arquitetura dessas rotas geoeconômicas levou a Inglaterra a estabelecer relações coloniais, seja por ocupação territorial ou por contratos com administrações locais, com diversos territórios do mundo muçulmano, no Oriente Médio e no norte da África, então submetidos, em sua maioria, à administração do Império Otomano.

Entres os territórios clientes da Inglaterra, estavam a Pérsia, atual Irã, os reinos do Golfo Pérsico – onde hoje se situam Arábia Saudita, Omã, Bahrein, Emirados Árabes e Qatar — províncias que compunham a Grande Síria (incluindo a Palestina), o Iraque e o Egito.

A estratégia geopolítica inglesa era a de estabelecer o domínio sobre a geografia de mares, golfos, estreitos e penínsulas, vital para a navegação. O que incluía o Golfo Pérsico, o Mar Vermelho e pontos estratégicos do Mediterrâneo.

Paralelamente, no século 17, os ingleses expandem a colonização americana que começou na colônia da Virgínia, estabelecendo as suas 13 colônias no atual território dos Estados Unidos, e colonizam ilhas no Caribe, como São Cristóvão, Granada, Jamaica e Antígua; e Belize, no continente.

No século 18, os reinos da Inglaterra e Escócia se juntam, formando a Grã-Bretanha.

Com o advento da Revolução Industrial, a partir da década 1760, a Grã-Bretanha começa a se impor sobre os outros impérios europeus pela superioridade econômica, força das armas, renovação tecnológica na navegação e controle das rotas marítimas para o Oriente.

Na segunda metade do século 19, o Império Português já havia sucumbido e o Espanhol vinha em declínio. A Inglaterra, no entanto, começa a se preocupar com a ascensão de dois outros grandes impérios, França e Alemanha, na disputa por áreas de influência e fontes de matérias-primas.

Por alguma razão tática, a Inglaterra resolve se aproximar da França, já no final do século 19, e convencê-la a traçarem juntas uma estratégia de contenção da Alemanha.

O economista e historiador estadunidense F. William Engdahl, em seu livro ”Gods Of Money’‘, relata que, em 1890, a Inglaterra já estava convencida da necessidade de empreender uma guerra contra a Alemanha. E a razão era que seus próprios analistas econômicos percebiam o declínio iminente de seu império, ao passo que observavam a ascensão industrial germânica.

O político britânico e geógrafo de formação, Sir. Halford Mackinder, publica, em 1904, o artigo The Geographical Pivot of History, que apresenta a teoria do Heartland, sintetizando o objetivo estratégico para Império Britânico conquistar hegemonia global.

Segundo Mackinder, quem conquistasse o Heartland – o coração do mundo –, controlaria o mundo. E o Heartland, para McKinder, era basicamente a extremidade leste da Europa e uma grande porção do continente asiático, incluindo os territórios de Rússia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Irã, Ásia Central, Mongólia e até parte da China.

Mapa que ilustra a geoestratégia de Mackinder. Ilustração: Wikimedia Commons

Nicholas Spykman, cientista político holandês radicado nos Estados Unidos, acrescenta à teoria de Mackinder que, para conquistar o Heartland, é necessário dominar o Rimland, que são as faixas territoriais em suas adjacências, incluindo Europa, Oriente Médio e sul da Ásia.

Os principais conflitos do mundo atual são resultantes dessa estratégia anglo-saxônica obstinada em, essencialmente, conquistar a Eurásia e o Oriente Médio, aspirando hegemonia global.

No início do século 20, a navegação britânica começa a utilizar o petróleo como combustível. E o petróleo começa a entrar em cena como elemento de importância geopolítica. As ambições imperiais redobram sobre o já disputado Oriente Médio..

A disputa neocolonial entre as potências europeias resulta na Primeira Guerra Mundial. E, em 1916, durante o conflito, Inglaterra e França assinam o tratado secreto conhecido como Sykes-Picot, que partilha o norte da África e o Oriente Médio entre os dois impérios, com concessões à Itália e ao Império Russo (o acordo foi feito um ano antes da Revolução Russa).

O sionismo e a ocupação da Palestina

A ideologia sionista foi inspirada no nacionalismo crescente no mundo, tanto no contexto da fragmentação do Império Otomano, com a formação de novos países nos Balcãs, quanto dos processos tardios de unificação na Europa da Alemanha e da Itália. E impulsionada, como reação, pelo antissemitismo crescente no Império Russo, no Austro-Húngaro e na Europa Ocidental.

O austríaco conservador, Theodor Herzl, é considerado o fundador teórico da corrente política do sionismo que a advogava a fundação de um estado judeu.

No entanto, antes ainda de Herzl escrever o seu livro O Estado Judeu, em 1896, e acontecer o Primeiro Congresso Sionista, em 1897, na Basiléia, Suíça, o sionismo já estava em marcha na prática com a primeira onda de imigração em massa de judeus, provenientes de diversos países, para a Palestina, desde 1882.

O historiador judeu e israelense, Shlomo Sand, em seu livro A Invenção do Povo Judeu, demonstra como o chamado “povo judeu” é uma categoria estritamente religiosa, que liga diferentes grupos e indivíduos, provenientes de diferentes lugares, recorrentemente, sem necessariamente laços ancestrais entre si.

Em seu desenvolvimento, a tradição laica do sionismo se apropriou de mitos religiosos da Bíblia e do Torá para tentar justificar a ocupação sionista na Palestina pelo viés religioso.

Um dos mitos é que os judeus provenientes de diversas partes do mundo seriam todos descendentes do povo hebreu, que há mais de dois mil anos atrás teria sido expulso da Palestina.

O linguista e analista político, judeu e estadunidense, Noam Chomsky, refuta o mito: “ninguém tem condições de saber quem eram seus ancestrais há dois mil anos atrás”.

Shlomo Sand, além de refutar a existência de um “povo judeu”, pois essa categoria forjada abarca diferentes grupos étnicos convertidos à tradição religiosa judaica, refuta também o mito da expulsão da Palestina. O povo hebreu, segundo ele e inúmeros outros historiadores, nunca foi expulso da Palestina.

Os sionistas religiosos pregam a volta para onde nunca estiveram – nem eles, nem seus antepassados.

Até 1881, a população judia na Palestina era menos do que 3% da população total. Esses eram judeus ortodoxos que migraram ao longo de séculos para a Palestina, por motivos religiosos, para estarem perto de monumentos e sítios considerados sagrados na religião judaica, sem a intenção de fundar um estado.

A primeira onda de migração massiva de judeus da Rússia, do Cáucaso e da Europa para a Palestina, se deu entre em 1882 e 1903, com o apoio financeiro, primeiro, do banqueiro Barão Edmond James de Rothschild, da ramificação francesa da dinastia, e depois de outros banqueiros europeus.

Nathan Rothschild, o Primeiro Barão da ramificação britânica da dinastia, também foi um dos grandes patrocinadores, assim como, já no século 20, as dinastias financeiras dos Estados Unidos.

Edmond James de Rothschild declarou: “Sem mim, os sionistas poderiam não ter conseguido nada. Mas sem os sionistas, meu trabalho estaria morto.”

Em três décadas de imigração, a população judaica saltou de cerca de 20.000 colonos sionistas para mais de 100.000.

Theodor Herzl, em O Estado Judeu, diz: “os processos de expropriação e de remoção dos pobres [nativos] devem ser conduzidos de forma discreta e circunspecta”.

Já no início do século 20, a literatura sionista, em diferentes autores, menciona o objetivo de “expulsão” dos palestinos de suas terras.

Com o dinheiro dos banqueiros europeus – a maior parte, judeus sionistas – e o apoio político e militar do Império Britânico, os colonos sionistas foram se instalando, com uma política de comprar o máximo possível de terras ou as ganhando do mandato britânico. A fase de tomar terras à força começou a se dar algumas décadas adiante.

Foram muitas as vezes que os árabes protestaram contra a ocupação sionista na Palestina no início do século 20, diretamente com a administração britânica. Para acalmar os ânimos, os britânicos às vezes prometiam que iriam refrear as imigrações sionistas dali em diante, mas elas só aumentavam com o tempo.

A rede sionista mundial já era extremamente organizada, financiada pelos homens mais ricos do mundo e apadrinhada pelo império mais poderoso do mundo. A verdade é que mesmo as vezes em que os próprios mandatários britânicos que administravam a Palestina quiseram controlar a imigração sionista, eles não puderam.

A ocupação sionista na Palestina convinha ao Império Britânico para seu objetivo geoestratégico de dominar o Oriente Médio, sobretudo a partir da segunda década do século 20, quando o petróleo começa a se tornar um ativo geoeconômico estratégico.

Nesse contexto, em 1917, o governo britânico emite um documento público, conhecido como a Declaração de Balfour, em que prometia um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina.

Entre a Declaração de Balfour, em 1917, e fundação do estado de Israel, em 1948, inúmeras rebeliões árabes eclodiram, com enfrentamentos violentos. Todas as rebeliões foram reprimidas pelo exército colonial britânico.

Soldados britânicos revistam moradores de Yafa, na Palestina, durante as revoltas de 1936 contra o mandato britânico e o movimento sionista. Foto: Wikimedia Commons

Império Estadunidense continuação do Britânico

Engdahl, em seu livro citado acima, relata que o centro financeiro do mundo começou a ser transferido da city de Londres para Nova York já na década de 1910, com o estabelecimento de representantes da família Rothschild e seus negócios, a fuga de capitais e ascensão de novas dinastias financeiras radicadas nos Estados Unidos, como as dos Morgan e Warburg.

Mas é a partir do fim da Segunda Guerra, em 1945, com a ruína da Europa, que os Estados Unidos se estabelecem como a primeira potência econômica e militar. Engdahl ressalta que os dois pilares da hegemonia estadunidense (hoje em declínio) são a hegemonia do dólar no sistema financeiro internacional e a superioridade militar.

O primeiro ministro do Reino Unido, Wiston Churchill, colocando uma flor no paletó do presidente dos EUA, Harry Truman, na embaixada Britânica, em Washington, em 1953. Foto: Wikimedia Commons.

Em 1944, a Conferência de Bretton Woods, em Nem Hampshire, na costa leste, com a participação de delegados de 44 países, definiu o novo sistema monetário internacional, que ganhou o nome da conferência. Na cúpula, foram criados o FMI e o Banco Mundial, e o dólar foi estabelecido como a moeda padrão para as transações internacionais.

Em 1945, os Estados Unidos sediaram a cúpula, com representantes de diversos países, que criou a ONU – Organização das Nações Unidas, com sede em Nova York, e o poder de veto reservado às principais potências militares. Desde então, os Estados Unidos fazem uso do veto para todas as decisões diplomáticas que contrariem seus interesses imperiais.

Em 1945, os Estados Unidos jogaram duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, assassinando mais de 120 mil civis, entre homens, mulheres, idosos e crianças, imediatamente. Além dos que morreram em decorrência da contaminação, dos que contraíram câncer, dos mutilados, e das gerações seguintes que nasceram deformadas ou contraíram enfermidades.

Não havia a menor necessidade militar para os Estados Unidos jogarem as bombas. O ato foi uma retaliação ao ataque japonês à base militar estadunidense de Pearl Harbor. Retaliar um ataque militar alvejando civis é um crime de guerra.

Mas o real objetivo do maior bombardeio da história foi aterrorizar e mandar um recado ao mundo: os Estados Unidos têm a bomba atômica – até então eram os únicos –, têm, portanto, supremacia militar sobre o resto do planeta e estavam inaugurando uma nova era de hegemonia.

A única sombra à hegemonia estadunidense era a União Soviética, então, sob o comando de Stalin, um gigante territorial, populoso, militarmente forte e com recursos naturais em abundância.

Em 1947, o presidente estadunidense, Harry Truman, inaugurando a era da Guerra Fria, lançou a Doutrina Truman, uma diretriz de política externa que visava a contenção do comunismo no mundo, autorizando o seu próprio país a intervir, inclusive militarmente, em todas as partes do planeta para disputar influência com a União Soviética ou prevenir que um país tomasse um rumo político indesejado.

Noam Chomsky comenta que a alegação de conter o comunismo, em diversas ocasiões, foi usada como um pretexto para os Estados Unidos derrubar governos que não tinham nada de comunistas, mas ensejavam um projeto soberano e democrático, como o de Jacobo Arbenz, na Guatemela, o de João Goulart, no Brasil, e tantos outros.

Em 1947, o governo Truman criou a CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) para executar as estratégias política externa previstas na Doutrina Truman e atuar moldando o mundo a seus interesses.

Em 1948, lideraram na ONU o processo de criação do Estado de Israel, na Palestina, concluindo o projeto colonial iniciado pelo Império Britânico. O holocausto judeu perpetrado pelas forças de Hitler serviu como pretexto para o roubo de terras na Palestina e subjugação de sua população.

8 de maio de 1951, Salão Oval da Casa Branca, em Washington: O presidente dos EUA, Harry Truman, com o líder sionista David Ben-Gurion, que se tornara primeiro ministro de Israel, e o embaixador israelense nos EUA, Abba Eban. Foto: Wikimedia Commons

Desde então, Israel funciona como um complexo militar dos Estados Unidos na Palestina ocupada, executando a estratégia de controlar o Oriente Médio, contendo o nacionalismo árabe e qualquer projeto regional de soberania.

A ocupação sionista começou com o dinheiro e as armas da Inglaterra e é mantida até hoje com o dinheiro e as armas dos Estados Unidos.

Com o apoio dos Estados Unidos, Israel veio, ao longo dos anos, avançando sobre as terras dos palestinos, em seu objetivo expresso de construir a Eretz Israel (a grande Israel), com a expulsão total dos palestinos e incluindo o genocídio como estratégia. A limpeza étnica que está ocorrendo em Gaza, agora, já era discutida na literatura sionista há mais de um século.

Em 1949, os Estados Unidos lideraram a criação da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar entre os países capitalistas da Europa Ocidental com os Estados Unidos para executar a política de contenção da União Soviética e seus aliados.

Os Estados Unidos passaram a utilizar todo o aparato militar, financeiro, político e diplomático para perseguir, manter e ampliar a sua hegemonia no globo terrestre.

Incontáveis golpes de estados, invasões, guerras, bombardeios, assassinatos de lideranças políticas e colaborações com regimes tirânicos foram praticados pelo aparato de poder estadunidense desde então.

O Império Estadunidense é a continuação do Império Britânico; herdou os seus objetivos, estratégias e modus operandi.

Entre as estratégias herdadas estão a obsessão em destruir a Rússia, a de controlar os recursos naturais – e, em especial, o petróleo – no mundo, e o domínio sobre o Oriente Médio.

Podemos dizer que houve apenas uma transferência de sede, mas que o Império Britânico continua vivo no corpo do Estadunidense.

O nacionalismo árabe tem sido o grande obstáculo para os impérios europeus e o estadunidense conquistarem o Oriente Médio e controlarem o petróleo mundial.

No segundo artigo, analisaremos como a escalada geopolítica culminou na atual guerra entre Irã e Israel.

*Tomás Amaral é formado em Cinema pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Atua como documentarista e analista geopolítico.

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Marco Paulo Valeriano de Brito

PARA NUNCA ESQUECERMOS DA POESIA

A poesia é o melhor da humanidade, em conjunto com a música.
Poetas e músicos não fazem guerras.
As estrofes poéticas e as partituras musicais são diversas, mas jamais bélicas.
Lance poesias, ao invés de bombas.
Solte a música nos ares, e rejeite os mísseis.
Cante, cante, cante.
Use a a poesia, a música e a voz para propagar a melhor diplomacia.
Me veio à luz dois poetas, Eduardo Galeano e Mia Couto.
Diante deste mundo distópico, caótico e ainda mais belicista vamos refletir a poesia de Galeano, de Mia, e que ainda se propague a esperança numa humanidade de paz.

Galeano:
Nenhuma guerra tem a honestidade de confessar “ eu mato para roubar”.
As guerras sempre invocam nobres motivos, matam em nome da Paz, em nome de Deus, em nome da civilização, em nome do progresso, em nome da democracia…

Mia Couto:
Para fabricar armas, é necessário fabricar inimigos; para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas.
O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível.
Como em qualquer outro estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.

Galeano:
E, se, por via das dúvidas, se tantas mentiras não forem suficientes, aí estão os grandes meios de comunicação dispostos a inventar inimigos imaginários para justificar a transformação do mundo em um grande manicômio e um imenso matadouro.

Mia Couto:
Por que motivo a crise financeira não atingiu a indústria do armamento?

Galeano:
E, a cada minuto se gasta 3 milhões de dólares na indústria militar, que é uma fábrica de morte.
As armas exigem guerras e as guerras exigem armas. E, os cinco países que dominam as Nações Unidas, que têm poder de veto nas Nações Unidas, acabam por ser também, os cinco principais produtores de armas.

Mia Couto:
A guerra fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustentava não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo: a Oriente e a Ocidente.
Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos, mas não há hoje, no mundo, um muro que separa os que têm medo dos que não têm medo.
Sob as mesmas nuvens cinzentas, vivemos todos nós.

Galeano:
Até quando, a Paz no mundo estará nas mãos daqueles que fazem o negócio das guerras?
Até quando vamos acreditar que nascemos para o extermínio mútuo?
E que o extermínio mútuo é o nosso destino?
Até quando?

Eduardo Galeano, em discurso na “Marcha Mundial pela Paz e Não Violência” (2009).

Mia Couto em fala sobre “o medo global”, em Conferência de Estoril (2011).

Paz e Bem são duas poesias dos sonhos e utopias que creio que a humanidade ainda tem.

Marco Paulo Valeriano de Brito
Enfermeiro-Sanitarista, Professor e Gestor Público

Zé Maria

Vídeo: https://x.com/i/status/1936897341887320409

Rússia detona Estados Unidos e ‘isRéu’ na ONU
por ataques ao Irã:

“Não aprenderam nada com a história”

Representante Russo criticou ainda os membros
do Conselho de Segurança da ONU por exigirem
do Irã contenção [SIC] após ataques que sofreu:

“Teatro cínico e hipocrisia”.

https://x.com/FepalB/status/1936897341887320409

.

Zé Maria

.

“Esses ataques dos EUA às Usinas Nucleares do Irã
são ilegais segundo o Direito Internacional.
Não têm mandato do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
São contra a Constituição americana.
São contra o Tratado de Não Proliferação Nuclear.
E esses ataques também são muito perigosos”,
disse Guido van Limput, militante político do
movimento “De Nieuwe Vredesbeweging”
(“Novo Movimento pela Paz”) e ex-Assessor
de Defesa no Parlamento Holandês.

https://ria.ru/20250623/iran-2024725274.html

.

Zé Maria

.

“EUA Abriram a Caixa de Pandora com Ataque ao Irã”,
disse Embaixador da Rússia no Conselho de Segurança

ONU, 22 de junho — RIA Novosti.
O Representante Permanente da Rússia na ONU,
Vasily Nebenzya, discursou em uma reunião do
Conselho de Segurança das Nações Unidas dedicada
a tratar dos ataques à infraestrutura nuclear do Irã.

O diplomata condenou a ação de Washington,
apontando seu perigo para a região e para o mundo
inteiro.

As principais declarações estão em artigo na RIA Novosti.

https://ria.ru/20250622/nebenzya-2024707756.html
.

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